Terra Prometida
Terra prometida …
Eu me lembro … a mãe gemia … reclamava da terra maldita … respiração ofegante … e gemia outra vez … o vento frio cantava lá fora …
Nossa vida tinha um certo glamour … glamour simples do interior. Íamos a escola, brincávamos, corriámos e brigávamos … coisa de molecada feliz. E o meio de transporte oficial era a bicicleta, então, sempre havia um joelho esfolado.
O Sítio
E tínhamos um sítio, não muito longe de casa, pois de bike tudo era perto.
Na nossa propriedade havia um casebre, uma explendorosa jabuticabeira e muita banana. Porém, para acessar o bananal que ficava na extremidade mais afastada das terras, íamos por uma estrada vicisnal, que contornava a terra, pois por dentro do terreno era um caminho de morro íngrime e meu pai tina medo que caíssemos.
E assim, era subir e descer morro, na subida empurrando a bicicleta e na descida com a mão no freio torcendo para ele não falhar. E o freio nunca falhou com a gente, nós – a molecada poderosa.
O tombo
Mas um dia … sempre tem um dia … o freio da bicicleta do meu pai falhou … e com minha irmã na garupa … ele perguntou se ela tinha coragem de pular, mas ela era uma meninha, então o pai falou … se segura em mim …
E ele tentou controlar a bicicleta, mas no fim da descida, não teve jeito … a bicicleta derrapou e a menina ficou sã e salva … mas o pai trincou a perna longitudinalmente …
E assim, começaram as transformações. Meu pai fazia um trabalho de registrar marcas e patentes … portanto, ele caminhava por todo interior do Estado e quando voltava para casa era só alegria, presentes e festa. Naquele tempo o telefone não era comum, então a gente nunca sabia quando ele iria voltar.
Mas agora, ele não podia caminhar … e o dinheiro acabou … e o sítio foi vendido … e o dinheiro acabou outra vez … e minha mãe adoecera e gemia …
A viagem
Assim, mãe, pai e malas vieram para São Paulo … e quatro filhos, sem papagaio, mas de ônibus.
Como o sofrimento era causado pela terra … a solução era buscar a terra prometida.
Chegada a Terra Prometida
E na manhã seguinte, todos chegaram à porta dos parentes, que sem palavras nos receberam bem.
Tomamos café da manhã, almoçamos, abasteceram o bolso do meu pai. Porém, antes do sol se pôr, nos colocaram em outro coletivo, agora para o interior da terra Bandeirante, berço da infância do pai.
No Hotel
Era noite e nos acomodamos, os seis em um quarto de um simples hotel.
A mãe agora, conseguia respirar, não gemia, e por longos meses lavou roupa na pia do hotel e cozinhou num fogareiro de álcool.
Depois uma pequena casa, mais dois rebentos e netos e bisnetos.
Tinha esquecido, mas outro dia … 29 de setembro de 2019 … essa data me lembra algo …
… nossa … faz 50 anos que estou na terra prometida.